terça-feira, 22 de setembro de 2020

Inquisição

Inquisição

A Inquisição corresponde a um modelo de política criminal que se edifica na Alta Idade Média até a Modernidade.  Cabe ressaltar, contudo, que a Inquisição que nos interessa, por ter vinculação com a identificação do homem no centro de medidas e procedimentos que vão contribuir para o processo de humanização do processo penal, é a da Igreja Católica, que aparece no século XIII,  por meio de registros papais.  Houve, contudo, a Inquisição reformista, que não nos serve de referência na identificação da construção de uma política criminal consistente, que tenha de algum modo trazido procedimentos e medidas no campo do processo penal.  A Inquisição caracterizou-se pela perseguição aos hereges, aos dissidentes de Igreja católica em termos políticos, de não sujeição à doutrina cristã,praticantes de religiões pagãs, diferentes, mais antigas, com ritos distintos do Cristianismo.   O tribunal eclesiástico, durante a Alta Idade Média, vai buscar punir aqueles que tinham uma postura contrária aos dogmas da Igreja, de resistência ao poder político e econômico, muito mais do que propriamente o viés religioso, que mais se identifica à Inquisição reformista.

Em termos ideológicos, representava a perseguição aos não cristãos, dentro de uma doutrina que tem uma visão de que o mundo é divino, governado por Deus.  A realidade deve representar o mundo das ideias, divino, que só pode ser acessado pela fé, só pode ser compreendido pela fé. E nesse sentido, o homem que a professa é o cristão, que expressa a vontade divina.  O crime, o erro, o pecado existem na ausência da presença de Deus, uma vez que Deus só havia feito o bem, o acerto, o correto.  O indivíduo, o homem que está no erro, assim está por vontade própria. Precisa, então, ser educado para compreender a verdade. Neste enquadramento estavam, na Alta Idade Média, os cátaros, uma espécie de grupo de dissidência, que professava um certo purismo como a verdadeira expressão do Cristo, que era pobre.  Rechaçavam a riqueza e o poder da Igreja. Assim como os cátaros, também estavam os burgomilos e os albineses, que foram perseguidos e mortos, sendo estes representantes da cidade de Albi na França, exemplo que teve sua população condenada.   Em termos de expressão política, pode-se dizer que esta é também a razão pela perseguição que sofreram, uma vez que sua oposição à Igreja, além de ter conotação teológica, implicava numa resistência política.

A Bula Papal de 1215, de Inocêncio III, sistematizava a perseguição aos hereges, sujeitando-os à tortura como meio de prova e tratamento do acusado. Isto porque tal Bula determinava como "rainha das provas"a confissão e para tanto, o juiz precisava garantir um processo justo por meio da presunção de inocência como um tratamento que representava modo de prova.  O juiz não podia ter a íntima convicção sobre a culpa do acusado, precisando, portanto que a prova fosse demonstrada, num contexto em que a justiça era transcendente ao homem e que ele precisava ser posto livre do pecado.

A presunção de inocência, que pode ser encontrada no brocardo jurídico in dubio pro reo de Ambrósio (século IV), representa tanto modo de prova quanto tratamento do acusado.  Em sistemas jurídicos anteriores, se pode dizer que o princípio já existia.  No sistema acusatório da vingança privada, no tribunal de Deus, com a aplicação das ordálias também a inocência era um princípio posto em que acusado e vítima gozavam desse benefício.  Ambos passavam por tal sistema de prova.

No sistema inquisitivo da Igreja católica era exatamente porque a inocência era presumida que o juiz não tinha juízo antes da coleta das provas, cujo método eram os tormentos para que o indivíduo fosse salvo, tivesse sua libertação da escravidão a que estava sujeito pelo pecado, pelo erro, que uma vez confesso estaria o indivíduo liberto.  Este sistema sofrerá declínio, na medida em que se caminha para a Renascença.  A perseguição ou a caça às bruxas ou feiticeira terá seu auge, principalmente, entre os séculos XVI-XVII atingindo milhares de pessoas, em grande maioria de mulheres. (Marion Sigaut)  Não obstante, tal perseguição foi feita pelos reformadores.  Dissidência da Igreja, a Reforma será orientada por diversos grupos, sendo os mais conhecidos os luteranos, calvinistas e huguenotes.

Um grupo de forte atuação na França entre os séculos XVII e XVIII foi o jansenismo, idealizado por teólogo, com o nome que deu origem, Cornelius Jansenius, que durará até o século XIX.  Desse grupo, faziam parte vários Iluministas,humanistas e juristas.  Jean Bodin, Cesare Beccaria, Pascal Racine, La Fontaine teriam feito parte de tal grupo.  O jansenismo, diferentemente do catolicismo, acreditava que apenas um grupo era tomado pela graça divina.  O catolicismo, entretanto, porque considerava que qualquer um podia ser convertido à fé cristã, aplicava o pagamento de indulgência para a salvação da alma.

As figuras mais perseguidas eram mulheres e por bruxaria, posto que era um mundo em transformação em pleno Renascimento ainda às vésperas da Modernidade,que se avizinhava, com o surgimento da imprensa, com a tradução e a publicação da Bíblia por Lutero.Cidades estavam surgindo no encontro entre caminhos dos mercadores, conflitos entre religiões que buscavam o reconhecimento do poder de dizer, de definir Deus.  Mulheres do campo, que tinham uma vida menos pré-determinada que as mulheres das cidades que estavam surgindo,eram as principais atingidas pela acusação de bruxaria.  O aumento da caça às bruxas por tribunais seculares mostra que havia confusão entre religioso e político:  "sem a mobilização desse poder secular, a grande caça às bruxas teria sido uma sombra do que foi" (Levack, p 80).  No final do século XV, Sprenger e Kramer, este um padre alemão atormentado pela ideia de pecado, muito possivelmente, preso em psicose, elaborou um manuscrito para servir de base à perseguição principalmente dessas mulheres,mormente pela preocupação com a sexualidade, o malleus maleficarum, que foi criticado pela própria Igreja.

O jansenismo foi uma das expressões do iluminismo, que mostra a ascendência ou emergência de uma perspectiva de mundo que  vai se projetar na Revolução Francesa, uma revolução liberal, que teve como principal referência o homem em seus direitos, sem que os que ensinam sobre tal período deixassem mais em evidência a perspectiva da relevância do mercado como contexto de veiculação de tais direitos, como já havia sido apontado pelo ministro Turgot do reinado de Luis XV.

O jansenismo foi um movimento cultural, político e social, fazendo parte da elite intelectual e econômica francesa, bastante presente no Parlamento de Paris.  Representa uma crítica à estrutura mundana, tendo um olhar negativo sobre o mundo, olhar pessimista sobre o homem.  Deus estaria no centro do processo de salvação, sendo o homem secundário, pois só faz o mau. Isto porque só é capaz de fazer o bem, segundo tal doutrina, o homem que é escolhido por Deus que lhe faz recair a graça, como um predestinado.  Sendo assim, havia uma concepção de determinismo, em oposição a uma percepção de que o homem fosse capaz de exercer o livre arbítrio.

Trata-se de uma doutrina anti-humanista, para a qual o homem está predestinado ao mal.  Corresponde a uma visão narcísica negativa, afastando o homem do mundo da vida, da política, retido em um moralismo purista, permitindo, em contrapartida, o entendimento de que o homem nunca está pronto, e assim, a espera de um salvador, um libertador, do populismo que se impõe pelo medo.  O Marques de Pombal repercutiu tal doutrina no Brasil do século XVIII, com consequências importantes num país que foi dirigido pelas Ordenações Filipinas até 1830, portanto o mesmo instrumento jurídico que se estendeu desde 1603.

A doutrina jansenista criou uma mentalidade no país que permite até hoje a gestão do desejo da população pelo que é ditado de fora, por uma certa aceitação de um determinismo que desqualifica o homem em dirigir seu próprio destino. Vigora uma certa perspectiva de que virá um salvador, um certo medo, uma autoestima baixa, um sentimento de incapacidade.  O que permite, por sua vez, doutrinas, como as que vemos hoje de vieses marxistas, sob o título de socialismo, com grande aceitação.  Parece que o país está voltando seu olhar para fora da caverna.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Aula do dia 18/9

 

Caros alunos inscritos na disciplina Fundamentos de Crimes em Spc, lecionada pela professora.

A aula de hoje abordou os assuntos que estão aqui, neste blog, nesta data.


Ficou  indicada a primeira atividade:

- Fichamento - data limite de entrega 02/10/2020 - ATÉ 17:59hs

Fichamento sobre a relação entre o crime, a religião e a liberdade religiosa.

Conteúdo em apenas 1 página.

OBS: Não será aceito após o horário fixado acima

- a partir do texto:"Conflitos religiosos às vésperas da Revolução Francesa"

este texto está no livro : Perlingeiro, Ricardo, Liberdade religiosa e direitos humanos (Religious Freedom and Human Rights) (2019). Niterói: Nupej, 2019. 602p, Available at SSRN:

https://ssrn.com/abstract=3331387Livro: Liberdade Religiosa (OBS:

 


Questão atual:

A impunidade demonstra que existe um grau de seletividade e desigualdade que leva alguns indivíduos a serem colocados em situação diferenciada em relação aos demais membros da sociedade. O indivíduo ao ver a prática da impunidade, trata este problema como um exemplo de desigualdade e que, portanto, o faz sentir desobrigado de cumprir sacrifícios que vão lhe reportar prejuízos, desconsiderando-o como pertencente à sociedade.

A impunidade demonstra o fracasso da garantia da vigência da norma, que salvaguarda liberdade e igualdade. O sistema da administração da justiça criminal atua na resposta estatal. A resposta estatal  é prevista no cumprimento da pena imposta em razão da conduta lesiva ou ameaçadora de lesão à sociedade, aplicada em razão da fragilização de bens jurídicos, cuja pretensão de proteção está na norma. Não obstante, a impunidade demonstra a falha desse sistema.

 I)Dimensões, ciclos ou gerações dos direitos humanos:


Na Europa (Bobbio. A Era dos Direitos.):

- 1 - liberdades negativas: opinião, expressão, pensamento – religião
Édito de Nantes, 1594 – liberdade religiosa
Revolução Inglesa, 1689
- 2 - direitos civis e políticos – (vida, patrimônio, políticos/voto...)
- 3 - direitos sociais
- 4 - direitos especiais
- 5 - direitos difusos

No Brasil
- 1 - direitos sociais
- 2 - direitos civis e políticos
- 3 - liberdades


II)Passagem da metodologia de construção do conhecimento:

A) Antes da RF - metodologia teológica transcendente – moral pública
B) Depois da RF - metodologia interior humana – moral privada
Liberalismo baseado na neutralidade, romantismo, interiorização dos sentimentos, secularização do conhecimento, razão, Reforma, Iluminismo
Contra a imposição de uma moral na esfera do privado
Contra a intervenção do Estado em assuntos privados
C) pós-modernidade –
- Busca pelo liberalismo baseado na igualdade - (Dworkin):igualdade de recursos
(tratamento igual das pessoas pelo Estado)
- contradição:

Países ricos, tecnologia, ciência, qualidade de vida, narcisismo, individualismo, contra crescimento populacional, cosmopolitismo, cidadão do mundo, globalismo, contra a intervenção do Estado na moralidade privada
X
Países periféricos, classe média, tradição, valores, crescimento populacional, contra a intervenção do Estado na moralidade privada


Culto ao senso de valor do indivíduo   X   Sacrifício do cidadão em relação à sociedade
- consumismo
- individualismo
- narcisismo

Ser do desejo x Ser da necessidade

Ser do desejo x Ser da necessidade

Dissertando sobre violência, desejo e cidadania, Jorge Forbes, médico psiquiatra, em seu livro "Você quer o que deseja?", ensina o seguinte:

"Na tentativa de refletir sobre a barbárie, e talvez buscar uma resposta, eu diria que existem duas teses fundamentais, as quais disputam a explicação da base da violência: a tese da harmonia e a tese do conflito. Os que defendem a primeira tese, a da harmonia, entendem que o homem tende naturalmente à harmonia.  Se há violência, é por um desequilíbrio dessa harmonia natural.  A segunda tese diz que o homem tende ao conflito e que, se há violência, é por uma falha na administração do conflito.  A primeira tese, a harmônica, é sustentada por uma ideia de compatibilidade possível entre o homem e a civilização.  A segunda tese, a conflituosa, sustenta-se na ideia de que há sempre um "resto" na relação do homem com a civilização.  Resta sempre alguma coisa para o homem desejar.  É um resto promotor do desejo.  A tese do conflito é a tese do desejo. A tese harmônica, por sua vez, é a da necessidade, contrapõe-se à do desejo. É utilitarista."

Perspectivas gerais: 

- Traçar algumas referências entre liberdade e igualdade na construção do direito penal no humanismo jurídico

- analisar dentro da perspectiva funcionalista do direito penal da garantia da vigência da norma

- analisar a relação entre liberdade da escolha pela conduta criminosa e a resposta do Estado com a ‘execução’ da pena

- analisar a relação com a impunidade